Wednesday, June 07, 2006

Mas também pode ser o paraíso...

by Cris Franca

Estou sofrendo na pele as agruras de ser uma jovem dona-de-casa. Como acaba sendo difícil o período de adaptação de alguém que sai do teto dos pais – onde a comida vinha no prato, a roupa permanecia limpa na gaveta e as bolachas brotavam miraculosamente no armário – para montar sua própria residência. E sobreviver nela. Mas é uma fase praticamente inevitável, já que a grande maioria das pessoas que eu conheço já passaram ou estão a ponto de passar por ela.

Cozinhar sabendo que a louça vai ter que ser lavada depois é chato? É. Fazer listas de supermercados com itens como “papel higiênico” e “lustra móveis” é um pé no saco? É. Ver que seu lindo pé de jasmim morreu porque você não o regou o suficiente é triste? Ô se é. Mas vá por mim: depois que o nó na garganta passa (sim, eu sofri um pouquinho ao deixar o “ninho” de mamãe), vemos que os obstáculos cansam mas têm solução e percebemos que Dorothy estava certa quando dizia que “não há lugar como o lar”. Ainda mais o nosso.

Claro que morar sozinha tem muito mais pontos a favor do que contra. E os pontos a favor são tão bacanas que os contra acabam rendendo apenas um desabafo divertido entre comadres e compadres. Na verdade, toda a mudança positiva se resume a um fator simples e ao mesmo tempo cheio de complexidade: ficamos donos do nosso próprio nariz.

No dia em que acordamos de bom-humor e disposição para limpar os aposentos, basta colocar uma música bem alta para tocar e fazer o serviço cantando no cabo da vassoura. Mas se o dia não começou muito bem, se o sol não está brilhando e se nosso cabelo não está obedecendo (o que acaba com qualquer empolgação), podemos passar horas de pijama, despenteados, na frente da TV. Nada pode nos abalar. Nem a bagunça ao redor, nem a visão da cama que mais parece um ninho de ratos e nem a pilha de roupa esperando ser guardada. E tem mais! Seus pais não estarão lá para mandarem você levantar a bunda ociosa do sofá!

Não receber ordens é simplesmente a glória. Puxa, que mal há em deixar a toalha molhada em cima da cama, afinal? E em largar o par de sapatos no meio da sala? O mundo vai desabar em peste e fome por conta de um pedaço úmido do lençol, ou de um acessório repousando em local inapropriado? Se fosse assim, a humanidade estaria lascada. E nós, jovens donas-de-casa (e donos também) seríamos queimados na fogueira como culpados pela danação do universo.

Quando estamos em nosso território, não somos vigiados. Assim, podemos abrir uma lata de sardinha e comer o acepipe às oito da manhã. Com leite quente acompanhando. Não que eu faça isso, obviamente, mas bem que poderia, hein? Afinal, é a minha casa e aqui mando eu. Por exemplo, não preciso me encher de pudores e andar sempre vestida. Tomando cuidado com os prédios vizinhos, a calcinha (ou cueca) vira o uniforme número 1 para dentro de casa. Nada de ter um irmão tirando sarro de sua lingerie coloridona, de seu pai tendo chiliques ou de sua mãe mandando você deixar de obcenidades e enfiar uma calça antes que as visitas cheguem.

E por falar em visitas... Que tal receber amigos na hora que lhe der na veneta? Chega de assustar seus pais com os dizeres “O Bocão, o Meleca e o Zé Piolho tão vindo aqui, falou?” e receber em troca uma careta de proibição, normalmente seguida por uma desculpinha esfarrapada do tipo “Ah, mas a casa tá desarrumada, chama outro dia”. A partir do momento em que você é o rei, ou rainha, do seu reino encantado, amigos podem chegar em bando às três da manhã e jogar videogame até as dez e até dormir pelos cantos sem que ninguém reclame.

Outra coisa de que eu gosto muito é deixar os ambientes do meu jeito, com a minha cara. Nada de suportar arranjos de flores secas acompanhando bibelôs de porcelana e porta-retratos com fotos suas tomando banho pelado aos três anos de idade. Na sua casa não haverá espaço para humilhação a não ser que você queira isso. Aliás, se você quiser, pode até pintar as paredes de preto, o chão de vermelho e pendurar uma caveira de boi na cabeceira da cama! Ou botar o fogão no quarto e o colchão na cozinha. Pode pirar, porque é seu.

E não há conta de luz, gás ou telefone que consiga acabar com a felicidade de dizer isso de boca cheia.